Auto-Compaixão: Um Antídoto para a Ansiedade Social
“O amor-próprio, meu senhor, não é um pecado tão vil quanto o desprezo por si mesmo”.
William Shakespeare
Em que você é excelente? Em que áreas você está acima da média, ou talvez até mesmo em destaque?
Todos são excepcionais em alguma coisa, e o reconhecimento disso pode aumentar nossa auto-estima.
Mas o que acontece quando falhamos em nossas áreas de especialização, em nossa singularidade que nos distingue como um ser especial?
Para muitos, isso pode parecer roubar-lhes a auto-estima, e eles podem lutar com sentimentos de diminuição do valor próprio.
Aqueles que continuam a se sentir bem consigo mesmos, apesar de suas falhas percebidas, muitas vezes têm uma coisa em comum: eles são compassivos para consigo mesmos.
Aqui vamos explicar o conceito de auto-compaixão, compará-lo com a auto-estima e mostrar como aplicá-la para reduzir sua ansiedade social.
Auto-estima & Estar Acima da Média
Melissa é uma estudante de 16 anos do ensino médio com boas notas. Seus pais estão orgulhosos dela e seus professores prevêem que ela será capaz de estudar na universidade de sua escolha.
Embora haja alguns garotos na escola que às vezes a provocam por ser uma boa aluna, Melissa não se importa. Ela tem alta auto-estima e está feliz com quem ela é.
Marc é um dos garotos que provocam Melissa. Ele sempre foi um mau aluno, e desde a puberdade, suas notas caíram ainda mais.
Ele não tem tempo para fazer seus deveres de casa ou estudar muito porque ele tem que ir ao treino de beisebol cinco vezes por semana. Marc é o jogador estrela do time, e seus companheiros e treinador o amam.
Ele pode falhar neste ano letivo, mas ele não se importa. Ele só se preocupa em ser bom no beisebol. Marc, como Melissa, tem alta auto-estima.
Até agora, tudo bem.
Apostando no seu desempenho: Gelo fino para o seu senso de valor próprio
Mas imagine que Melissa recebe notas ruins e Marc joga terrivelmente.
Sua auto-estima provavelmente cairá e, como eles colocaram todos os seus ovos em uma cesta (desempenho acadêmico/atlético), é provável que eles estejam altamente preocupados em recuperá-la.
Em outras palavras, eles podem ter muito em jogo em seu próximo teste de matemática e no jogo de beisebol, e é provável que experimentem alguma ansiedade nessas situações.
Tem sido observado que a auto-estima pode causar problemas quando depende de certos resultados (Crocker, Luhtanen, Cooper, & Bouvrette, 2003).
De acordo com Kernis (2005), a auto-estima dependente de resultados leva as pessoas a ampliarem os efeitos negativos do fracasso pessoal, levando a uma maior tendência a desenvolver ansiedade e depressão.
Isto significa que a auto-estima é uma coisa boa para o nosso senso de valor próprio, enquanto estivermos indo bem. Mas isso pode diminuir rapidamente e nos decepcionar se não estivermos à altura de nossas expectativas.
Pessoas socialmente ansiosas, por exemplo, podem ter alta auto-estima, mas apenas enquanto elas parecerem socialmente confiantes ou se saírem bem em situações sociais.
Porque sua auto-estima é baseada em um certo resultado (causar uma certa impressão), eles não apenas vivem com medo constante de não viver de acordo com seus ideais (experimentam ansiedade em situações sociais), mas também se sentem esmagados quando não conseguem (sentem-se envergonhados e deprimidos).
Autocompaixão: Uma sólida alternativa à auto-estima
Kristin Neff (2011) da Universidade do Texas sugeriu uma alternativa útil à auto-estima: a auto-compaixão.
“A autocompaixão oferece benefícios semelhantes à auto-estima, mas parece ter menos desvantagens“, diz ela.
Neff continua apontando que a autocompaixão implica uma atitude de gentileza para consigo mesmo.
Ao invés de nos criticarmos por nossas fraquezas e deficiências, ela defende uma atitude de autocuidado e compreensão.
Enquanto a maioria das pessoas tende a se criticar por suas deficiências, ela recomenda uma atitude de reafirmação e apoio em momentos de aflição pessoal.
Além disso, Neff acrescenta o conceito de humanidade comum, que se refere ao reconhecimento de que não somos os únicos que lutamos, falhamos e enfrentamos a imperfeição.
O que nos liga aos outros, de acordo com este conceito, é que todos nós sofremos.
É uma parte normal da vida falhar, ficar aquém dos padrões próprios ou de outros. As falhas e fraquezas percebidas são parte da experiência humana.
Neff argumenta que o sofrimento é um motivo para se sentir conectado aos outros, ao invés de desconectado porque não somos suficientemente bons.
O terceiro componente da autocompaixão da Neff é o mindfulness. Muitos já ouviram falar sobre isso no contexto da meditação.
O mindfulness é descrito como “prestar atenção de uma forma particular: de propósito, no momento presente e sem julgamento” (Jon-Kabat-Zinn, 1994).
Vamos explorar por que o mindfulness é tão importante para o conceito de autocompaixão.
Autocompaixão, Mindfulness e Deficiências Pessoais
Neff recorre a Brown e Ryan (2003) para destacar a importância do mindfulness em relação aos “aspectos desagradáveis de si mesmo ou da própria vida“.
Ele argumenta que perceber que estamos sofrendo é necessário se quisermos ser capazes de responder de forma auto-compassiva às lutas pelas quais estamos passando.
Imagine uma pessoa que tem que dar uma apresentação no trabalho, por exemplo. Ela não recebe o feedback que esperava e se culpa por estar muito nervosa em apresentar o conteúdo.
Ela pode estar tão envolvida em seu hábito de culpa própria e ruminação que ela nem percebe que está sofrendo.
O mindfulness, portanto, pode nos ajudar a reconhecer quando estamos passando por um momento difícil e responder com autocompaixão.
Você pode estar se perguntando: “A autocompaixão não é o mesmo que autopiedade?“.
Neff diz que não é.
Ela argumenta que as pessoas que sentem pena de si mesmas tendem a ficar presas em sua miséria e acreditam que elas são as únicas que sofrem neste mundo.
Lembra-se do segundo conceito que Neff propõe?
A humanidade comum. Devemos nos sentir conectados a outros porque estamos sofrendo, não desconectados.
Autocompaixão, portanto, significa tomar consciência do próprio sofrimento, reconhecer que é parte da experiência humana que todos nós compartilhamos, e responder a ela de uma forma gentil e compreensiva.
Vejamos as implicações práticas da vida real desta atitude em relação a nós mesmos.
Auto-Estima vs. Auto-Compaixão, ou: Superioridade vs. Conexão
Pesquisas sobre autocompaixão têm mostrado que ela tem efeitos fortes e positivos em numerosas áreas da vida, tais como conexões sociais, sentimentos positivos e felicidade (Leary, Tate, Adams, Allen, & Hancock, 2007; Shapiro, Brown, & Biegel, 2007).
Ao mesmo tempo, estes estudos mostraram que está associada a menos ansiedade, perfeccionismo, medo do fracasso e depressão, entre outros benefícios.
E o que aconteceria se Melissa e Marc mostrassem altos níveis de auto-compaixão ao invés de auto-estima?
Acontece que eles ainda se veriam a si mesmos sob uma luz positiva e se sentiriam valiosos e seguros.
De uma perspectiva evolutiva, argumenta-se que as respostas de autocompaixão ativam um sistema de auto-sedificação e apego, enquanto desativam o sistema de ameaças (Gilbert, 1989).
A auto-estima, por outro lado, é baseada em um sistema de classificação social (Gilbert et al., 2008).
Para determinar a posição de uma pessoa na hierarquia social, é necessária uma avaliação constante de superioridade e inferioridade em comparação com outras.
Isto se assemelha a uma competição constante na qual se tenta subir a escada social e, ao mesmo tempo, teme-se perder a posição atual, como fizeram Melissa e Marc no exemplo inicial.
Uma das vantagens mais importantes da autocompaixão sobre a auto-estima é que ela pode ser aplicada em qualquer situação (Neff, 2011).
Nós podemos nos beneficiar disso quando nos sentimos bem ou mal, quando nos sentimos ansiosos ou deprimidos, ou quando somos confrontados com nossas próprias falhas e defeitos.
Neff enfatiza que a auto-estima não está disponível exatamente quando precisamos dela, porque ela é baseada em nossos sucessos e qualidades positivas.
A auto-estima, ela argumenta, nos faz sentir bem porque nos ajuda a nos sentir melhor que os outros e a ter confiança em nossas habilidades.
A autocompaixão, ela continua, nos faz sentir bem porque nos ajuda a nos sentir seguros, apoiados e protegidos.
Estes últimos aspectos têm sido encontrados frequentemente ausentes em pessoas com ansiedade social.
Auto-Compaixão como um Amortecedor de Vergonha
Num experimento, os participantes foram convidados a imaginar vividamente uma situação de fracasso pessoal que poderia ser percebida como embaraçosa (Leary et al., 2007).
Por exemplo, imagine Marc perdendo uma oportunidade fácil de ganhar um jogo importante para seu time ou Melissa chumbando no teste de matemática.
Os resultados sugerem que as pessoas com alta auto-estima diferem pouco das pessoas com baixa auto-estima em suas reações ao evento imaginado.
Ambos os grupos se sentiram responsáveis por suas deficiências e se sentiram humilhados.
As pessoas auto-compassivas, por outro lado, não experimentaram tais reações, mas lembraram que é normal falhar de vez em quando.
Eles não levam seus fracassos pessoalmente e, portanto, não os percebem como vergonhosos.
Isto significa que a auto-compaixão pode agir como um amortecedor para sentimentos de vergonha. E se você sofre de fobia social, você sabe muito bem que a vergonha tem um papel importante em sua vida.
Auto-Compaixão e Ansiedade Social
Embora a maioria das pessoas socialmente ansiosas tenha baixa auto-estima, há também algumas que têm níveis altos, desde que possam causar uma certa impressão em outras.
O que todos eles têm em comum, no entanto, é o medo de não serem percebidos de uma certa maneira por outros.
Como resultado, algumas situações sociais representam uma grande ameaça para eles.
As apostas são altas, como nos jogos de beisebol para Marc e nos exames para Melissa, especialmente se eles “chumbaram” em situações sociais similares antes.
Tem sido sugerido que pessoas socialmente ansiosas são um grupo particularmente autocrítico (Cox, Fleet, & Stein, 2004).
Você pode saber disso por experiência própria, se você é propenso a se criticar por insegurança, timidez, sintomas de ansiedade social ou outros traços que você considera como sendo falhas pessoais.
Sua autocrítica aumenta sua ansiedade social ao invés de ajudar a reduzi-la (como muitas pessoas acreditam).
No entanto, cabe a você mudar isso. E agora você já tem uma boa idéia de como fazer isso.
Pesquisadores testaram o que acontece quando pessoas com altos índices de ansiedade social fazem um exercício de autocompaixão antes de um discurso público (Harwood & Kocovski, 2017).
Descobriu-se que a autocompaixão funcionava como um amortecedor para a ansiedade social, semelhante aos sentimentos de vergonha descritos acima.
Há até mesmo uma abordagem terapêutica chamada Terapia Focada na Compaixão (Compassion Focused Therapy) que encoraja a autocompaixão, entre outras coisas.
Os resultados preliminares desta abordagem terapêutica são promissores, especialmente para pessoas com altos níveis de autocrítica (Leaviss & Uttley, 2014).
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Mas vamos voltar ao que queríamos dizer. É hora de mudar seu relacionamento consigo mesmo. É hora de desenvolver a autocompaixão, especialmente em relação às suas deficiências pessoais e à sua ansiedade social.
Aqui novamente estão os três principais componentes da autocompaixão:
Mindfulness (reconheça que você está sofrendo e passando por um momento difícil).
Mas vamos voltar ao que queríamos dizer. É hora de mudar seu relacionamento consigo mesmo. É hora de desenvolver a autocompaixão, especialmente em relação às suas deficiências pessoais e à sua ansiedade social.
Aqui novamente estão os três principais componentes da autocompaixão:
- Mindfulness (reconheça que você está sofrendo e passando por um momento difícil).
- Humanidade comum (lembre-se que esta experiência o torna humano e o conecta com os outros).
- Gentileza para consigo mesmo (tratar-se como um bom amigo: com compaixão, palavras gentis e benevolência).
Quanto mais compassivo você estiver consigo mesmo, menos você será arrastado por suas falhas pessoais e menos você temerá a exposição delas.
Em resumo: quanto mais auto-compaixão, menos ansiedade social.
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Brown, K. W., & Ryan, R. M. (2003). The benefits of being present: Mindfulness and its role in psychological well-being. Journal of Personality and Social Psychology, 84(4), 822–848. https://doi.org/10.1037/0022-3514.84.4.822
Cox, B. J., Fleet, C., & Stein, M. B. (2004). Self-criticism and social phobia in the US national comorbidity survey. Journal of affective disorders, 82(2), 227–234. https://doi.org/10.1016/j.jad.2003.12.012
Crocker, J., Luhtanen, R. K., Cooper, M. L., & Bouvrette, A. (2003). Contingencies of Self-Worth in College Students: Theory and Measurement. Journal of Personality and Social Psychology, 85(5), 894–908. https://doi.org/10.1037/0022-3514.85.5.894
Gilbert, P. (1989). Human nature and suffering. Hove, UK: Lawrence Erlbaum Associates
Kabat-Zinn J. Wherever you go there you are: Mindfulness meditation in everyday life. New York, NY: Hyperion; 1994.
Kernis M. H. (2005). Measuring self-esteem in context: the importance of stability of self-esteem in psychological functioning. Journal of personality, 73(6), 1569–1605. https://doi.org/10.1111/j.1467-6494.2005.00359.x
Leary, M. R., Tate, E. B., Adams, C. E., Batts Allen, A., & Hancock, J. (2007). Self-compassion and reactions to unpleasant self-relevant events: The implications of treating oneself kindly. Journal of Personality and Social Psychology, 92(5), 887–904. https://doi.org/10.1037/0022-3514.92.5.887
Neff, K. D. (2011). Self-compassion, self-esteem, and well-being. Social and Personality Psychology Compass, 5(1), 1–12. https://doi.org/10.1111/j.1751-9004.2010.00330.x
Shapiro, S. L., Brown, K. W., & Biegel, G. M. (2007). Teaching self-care to caregivers: Effects of mindfulness-based stress reduction on the mental health of therapists in training. Training and Education in Professional Psychology, 1(2), 105–115. https://doi.org/10.1037/1931-3918.1.2.105
Sobre o autor: Martin Stork
Martin é um psicólogo profissional com antecedentes em fisioterapia. Ele organizou e dirigiu vários grupos de apoio para pessoas com ansiedade social em Washington, DC e Buenos Aires, Argentina. Ele é o fundador de Conquer Social Anxiety Ltd, onde trabalha como escritor, terapeuta e diretor. Você pode clicar aqui para saber mais sobre Martin.